BAIRROS DESTRUÍDOS
Defensoria Pública denuncia nova tentativa de blindar a Braskem
Contestação de relatório independente sobre Flexais teve participação de técnicos ligados à mineradora
Destituída de sentido e racionalidade, está em curso uma nova tentativa de blindar a Braskem e minimizar sua responsabilidade no maior desastre urbano-ambiental no território brasileiro, ocorrido em Maceió. A avaliação é do defensor público Ricardo Melro, segundo o qual, novamente, decisões públicas estão sendo fundamentadas em pareceres elaborados por consultores ‘diretamente vinculados à empresa’ responsável pela destruição de uma parte significativa da capital alagoana e que, mais uma vez, atuam para negar o ‘nexo casual’ entre a subsidência – os movimentos do solo nos Flexais de Bebedouro – e a mineração de sal-gema.
A intenção é manter o Mapa de Linhas de Ações Prioritárias como foi concebido, desconsiderando a necessidade premente de corrigir a metodologia utilizada que definiu critérios para designar áreas afetadas pelo desastre baseada em dados questionados por pesquisadores do GFZ (Helmholtz), Leibniz University Hannover, University of Leipzig, INPE, UFES, entre outras instituições científicas de reputação internacional.
Atores do relatório independente, entre eles Marcos Eduardo Hartwig (UFES), Magdalena Vassileva (PhD), Fábio Furlan Gama (INPE) e Djamil Al-Halbouni (Leipzig), estiveram em Maceió no último dia 19 em reunião para esclarecer dúvidas sobre o estudo, cuja conclusão, entre outros pontos avaliados, aponta que deslocamentos de solo nos Flexais também decorrem da mineração e que é pertinente a revisão do mapa, com inclusão dos Flexais na área de risco.
A reunião foi realizada com representantes da Defesa Civil Nacional, Defesa Civil de Maceió, Serviço Geológico Brasileiro, consultores do Comitê de Avaliação Técnica (CAT), além de Advocacia Geral da União (AGU), Procuradoria Geral do Município (PGM) e representantes da Braskem. O objetivo prático foi sanar dúvidas e promover debate técnico qualificado entre os pesquisadores e as instituições responsáveis pelo monitoramento do caso desde 2018.
Na ocasião, segundo informa a Defensoria Pública do Estado de Alagoas (DPE-AL) a própria equipe técnica da Braskem reconheceu – e está gravado – que o monitoramento aponta convergência dos deslocamentos em direção às minas, indicando correlação com a mineração — exatamente como conclui o relatório independente resultante do estudo.
Blindagem institucionalizada
Porém, em nota informativa (nº 1), emitida em novembro, o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR) considera que ‘não há fundamentos técnicos que justifiquem as alterações do entendimento vigente acerca do fenômeno de subsidência em Maceió’.
Conforme disposto na nota, para subsidiar a resposta ao Relatório Técnico Independente teriam sido consultadas “equipes de consultoria que prestam apoio ao Comitê de Avaliação Técnica (CAT)”, destacando-se dois documentos: um da empresa GeoProjetos e outro de “uma dupla de professores da USP”.
É neste ponto que a análise técnica do relatório independente é questionada pela Defensoria.
Segundo a DPE, no caso da GeoProjetos, a empresa passou a prestar assistência técnica ao Comitê de Avaliação Técnica em 2021. O CAT é o órgão responsável pelos estudos que embasam a delimitação das áreas de risco. Ocorre que o CEO da GeoProjetos, José Roberto.
Brandt, à frente da empresa desde 1989, atuou como consultor contratado da Braskem em 2019 para criticar, desqualificar e refutar o relatório da CPRM (Serviço Geológico do Brasil) que apontava o nexo causal entre a subsidência e a mineração de sal-gema.
“Em outras palavras: o CEO da GeoProjetos prestou serviço técnico para a Braskem em 2019 e, em 2021, a empresa que ele lidera passou a assessorar o CAT, justamente o órgão que influencia todas as decisões oficiais sobre risco, mapas e monitoramento”, afirma o defensor público Ricardo Antunes Melro.
A situação é, por si só, extremamente preocupante, afirma o defensor. “O que antes era defesa técnica de uma mineradora, hoje encontra-se institucionalmente incorporado à estrutura que orienta decisões públicas”.
A situação, segundo ele, se agrava ainda mais quando analisado o segundo documento referido na nota do ministério. Os “professores da USP” citados pela nota são os engenheiros Tarcísio Barreto Celestino e Luiz Guilherme de Mello, cuja atuação foi minuciosamente analisada pela CPI do Senado Federal em 2023.
A Defensoria lembra que a CPI registrou que ambos assinaram, a pedido da Braskem, o laudo de 27/09/2019 destinado a contestar o Relatório Síntese da CPRM/SGB, defendendo, entre outros pontos, que o fenômeno teria origem “natural”.
A CPI qualificou essa atuação como caso de “captura cognitiva”, afirmando que “no mínimo, denuncia imperícia ou negligência”, e registrou que não se afasta a possibilidade de condutas criminosas, inclusive por determinação da própria Braskem.
A Defensoria Pública afirma que “não há qualquer informação pública de que tais profissionais integrem ou tenham integrado o CAT. Sua vinculação conhecida é — e permanece sendo — com a Braskem, não com o poder público”. Apesar disso, a Nota do ministério os apresenta como se fossem “consultores do CAT, o que, se ocorreu por erro, constitui grave falha técnica e institucional; e, se não ocorreu por erro, exige explicação imediata diante da documentação disponível”.
Os questionamentos acerca da nota oficial do ministério, também assinada pela Defesa Civil Nacional e pelo SGB, estão sendo encaminhados a esses próprios órgãos num pedido de esclarecimento pelo Núcleo de Proteção Coletiva da Defensoria Pública de Alagoas.
O defensor Ricardo Melro avalia que esse cenário exposto na nota do ministério torna-se ainda mais contraditório diante do contexto recente.
“O Brasil acaba de sediar a COP 30, apresentando-se ao mundo como liderança global em proteção ambiental, governança climática, ciência independente e combate à degradação ecológica. Na arena internacional, o país reivindica protagonismo, defende metodologias rigorosas, políticas baseadas em evidências e o fortalecimento das instituições ambientais. Contudo, o que se observa no caso Braskem revela um choque entre discurso e prática: um país que afirma uma coisa para fora e age de forma oposta internamente. No maior desastre urbano-ambiental em curso no território brasileiro, decisões públicas estariam sendo fundamentadas em pareceres elaborados por consultores diretamente vinculados à empresa responsável pela destruição de bairros inteiros”, expõe.
Por fim, o defensor público questiona no pedido de esclarecimentos: “Vossas Excelências, após ciência de tais informações, mantêm a posição fundamentada nos relatórios da GeoProjetos e dos engenheiros contratados pela Braskem, mencionados no item 2.13 da Nota?”.
Segundo Ricardo Melro, é importante recordar que dois dos pesquisadores do Relatório Independente, o professor Mahdi Motagh e a professora Magdalena Vassileva, estiveram em Maceió entre 2022 e 2023 a convite do próprio Município de Maceió, que custeou transporte e estadias do primeiro. Reuniram-se com o coordenador da Defesa Civil, Abelardo Nobre, com Paulo Roberto Farias Falcão, da Defesa Civil Nacional, e com o prefeito João Henrique Caldas. Depois, estiveram com eles na Alemanha, em comitiva oficial.
“Diante disso, fica a pergunta, agora que o professor Mahdi e a professora Magdalena contribuíram ativamente para um relatório técnico independente, apontando necessidade de aprimoramentos, o Município pretende negar o conteúdo e se recusar a aprimorar sua metodologia?”
Melro avalia que os cientistas “não são profissionais quaisquer. São pesquisadores de renome internacional, ligados a instituições científicas de ponta, cuja expertise foi buscada pelo próprio Município, inclusive, quando a chapa esquentou com o episódio da mina 18, foi justamente ao professor Mahdi, reconhecido mundialmente como uma das maiores autoridades em subsidência, que a Prefeitura de Maceió pediu ajuda.



